“Pra sempre é sempre boa hora
No breu da noite, no clarão da aurora
Se a estrada convida a senhora
Cantando essa canção estradeira
Pra comemorar a passagem
De uma alegria derradeira…”
(“Luzia” – Ozuê)
Entre vãos e veredas do Cerrado, conheci Dona Alma, cantando batuque em festejo no sertão. Seus olhos, repuxados e verdes feito rio, contrastavam com a pele preta acobreada do sol rebatido da areia branca. Parecia espelho vivo da miscigenação brasileira que corre em minhas veias. Nos seus olhos, via minhas avós, minha mãe, minhas antepassadas que ninguém sabe dizer quem são. Todos ali, andarinas.

Fui atrás de sua história. Me contaram. Nem por distância, nem por necessidade, Dona Alma era uma andante porque o caminhar era seu lugar de poder. Ainda que a casa lhe demandasse trabalho ou a descendência quisesse colo, sempre, todo dia, arranjava tempo de travessear. Cumpria tudo que a moralidade normatizava para uma senhora camponesa e, ainda assim, seguia. Nem patrão ou marido a fizeram parar. Nasceu para o mundo!
Caminhando, sorria na liberdade do encontro, seja com bicho, com planta ou com gente. Só o tempo de seus mais de 80 anos haverá de saber o que presenciou nas procissões diárias que a nutrem de vida. Vinte filhos, tantos netos. Havia quem jurasse que era cigana. Pudera! Colorida e cantante, andava, andava e cantava. Mas sempre voltava para casa na hora que lhe cabia certa. Seu caminhar, misturado com dança, parecia trupé de criança saltitando pelas capoeiras da mata. Batia caixa em dia de Folia e nunca lhe faltava cantiga nova pra versar…
Trecho da prosa poética “Andarina”, disponível no livro Travessias: poesias e prosas no chão das tradições.
Este projeto foi realizado com recursos do Fundo de Apoio à Cultura do Distrito Federal (FAC-DF) e publicado através de financiamento coletivo pelo site Benfeitoria.
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