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No caminho do caminho,
a clareza dos dias responde
as perguntas que não fiz.
Pois o silêncio
das palavras virgens
é a distância entre querer saber
e o lembrar-se da pergunta certa.
Keyane Dias — outubro/2017

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No caminho do caminho,
a clareza dos dias responde
as perguntas que não fiz.
Pois o silêncio
das palavras virgens
é a distância entre querer saber
e o lembrar-se da pergunta certa.
Keyane Dias — outubro/2017
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Tem um rasgo
onde engasgo meu peito
toda vez que me esqueço
que é preciso aceitar.
Aceitar
que por mais que eu invente,
que eu desista ou que eu tente
a dor sempre estará.
Pois a dor
que é da cor do invisível
é um sol disponível
querendo se mostrar.
É o parto,
a loucura, a serpente,
é humana, é poente,
é o rio quando é mar.
Keyane Dias — novembro/2017
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Se quiseres de mim
apenas o suor quente
pra sua conveniência,
serei vapor d’água e chuva,
em meu próprio jardim.
Mas se quiseres de mim,
na mesma medida que eu,
o prazer do leito além da borda,
serei rio aberto e molhado
sem medo do fim.
No raso não me encaixo,
no raso não sei dizer:
sim.
Key Dias — Outubro de 2017
É tudo muito
e já não quero dar ouvidos.
É no hiato
do presente
que me perco displicente
no cansaço dos sentidos.
É tudo muito
e ser muito é vão castigo.
É no miúdo
de ser gente
onde acho minha nascente
pra crescer além do umbigo.
Key Dias — Outubro de 2017
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Mais uma da gaveta. Sobre a seca que assusta nosso Cerrado, sobre os corações secos que secam o molhado… Sobre a resiliência, desafio cotidiano dos cerratenses, sejam eles povo planta, povo bicho, povo gente.
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Do olho d’água,
a esperança,
veredas que geram
buritis a crescer.
São olhos abertos,
na busca de ver,
o sertão cerratense
a sobreviver.
Dos olhos cerrados,
a ignorância,
criando o fim
do que fingem não ver.
A monocultura
da falta de ser,
pois preferem aquilo
que chamam de ter.
Será que o olho d’água
não chora de dor,
por ver tanta mata
que já se acabou?
Ou será que a esperança
é quem não vai findar?
Pois os olhos cerrados
também podem chorar.
Key Dias — Janeiro de 2017
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Pior que o julgo dos que subjugam uma mulher é o nosso próprio esquecimento da Intuição. Esse sopro perene de nitidez é nossa mais antiga arte feminina. É a voz sábia da Mãe ancestral que jamais será silenciada, é o lampejo assombrosamente instintivo e divino que aponta os caminhos e alerta os perigos.
Nesse ciclo lunar de setembro, sincronizado com o Equinócio de Primavera, Navaratri e Lua Nova, algumas camadas desconhecidas do feminino afloraram. Camadas de águas que me conduziram ao rio onde mergulhei para segurar firme na mão dessa velha amiga. De dentro, veio a Intuição me contar sobre não esquecer que ela sempre está lá, naquele lugar onde toda mulher sabe onde é. Sussurrosa, veio me falar sobre coragem.
É inato feita a Lua que reflete o Sol. A força que nos faz in-tu-ir continuamente é a mesma que rege a dança da natureza cíclica feminina, numa alquimia perfeita entre o mundo interno e o externo. É como se olhássemos as respostas e as perguntas certas nos olhos da nossa velha alma.
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Assim, percebi desajustes criados pela minha própria teimosia em não assumir o que a Intuição vem me dizer. Percebi o quanto é preciso coragem para andar de mãos dadas com ela, pois essa aliança interna traz revelações que pedem atitudes concretas e quebra de padrões que vão desmoronar o que precisa ser renovado. Nem sempre será um caminho fácil, mas desafios são nutritivos na floresta interior.
A lucidez intuitiva é espada e escudo, quando é preciso lutar. É semente e flor, quando é preciso plantar. É colo e palavra sã, quando é preciso compreender e segurar a mão de outra irmã ou irmão. Assumir a responsabilidade em ouvir e agir com a Intuição é nosso passo primeiro de coragem para um feminino maduro. É assumir a si mesma, tendo a força de relacionar-se com o outro e com o mundo com instintiva integridade. É romper com o medo de não ser aceita por ser quem se é.
Para muitos, lampejos intuitivos vão soar como alucinações exageradas, “dramas de mulher”. Deixe-os julgar. Imunize-se. Por vezes, munida de Amor, a Intuição nos pedirá para abrir mão do que está fora do lugar, mesmo que isso balance relações, o ambiente onde vivemos ou as nossas próprias convicções. Mas é ela mesma quem no diz de dentro: Coragem! A Intuição provoca o amoroso desapego que traz a real união. Ela é tão livre quanto o voo que nos possibilita dar.
Deixar-se in-tu-ir é dar um salto quântico de dentro para fora, pois o percurso que nos trouxe até aqui amalgamou em nós mesmas as pistas do caminho que devemos trilhar. Quando uma mulher decide escutar sua intuição, mais um véu das vãs ilusões é descortinado na trama do mundo.
Keyane Dias — 25 de setembro de 2017
Mora dentro de mim uma velha
Por mais que o acaso fértil do destino
Me presenteie com jeitos de moça
É a velha quem canta, dança, cozinha, observa
Os segredos que ela guarda
Minha moça tão pouco conhece
Só às vezes
Em con[tato]
As duas se tocam pelo olhar
Em um jardim oculto e visceral
Se bem me lembro
Chamam isso de intuição
A velha mora dentro
A velha mora fora
Ela sempre quer sair
Até parir a si mesma
Totalmente
No despontar dos meus cabelos brancos.
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Sou tão densa quanto a dor
e tão leve quanto o amor,
sou a entrelinha dos versos que pari.
E se o que sou se esconde de mim,
é farejando a palavra que me encontro
no silêncio que precede a poesia.
É a poesia nua feito o chão,
crua feita a água
e lua
feita a paixão que me seduz
para experimentar o gozo
da palavra vivida em verso.
A palavra me fez poeta
para psicografar as sutilezas
do que vivo no mundo.
Keyane Dias — Agosto/2017