ESCRITURAS, PROSAS E CRÔNICAS

Sobre yoga, capoeira e os pés no chão onde piso

O Yoga atravessa meus caminhos e brilha meus olhos desde menina, ainda que fosse e continue sendo algo tão tão distante para uma jovem periférica cheia de sonhos. Um chamado incubado pelas disparidades geográficas e sociais, consumado anos depois nas oportunidades que o tempo traz. Experimentei aqui, curiei ali, mas antes de mergulhar no Yoga, de verdade, foi na Capoeira Angola que encontrei o primeiro chão para vivenciar conceitos como autoconhecimento e liberdade. Lá, nas rodas mandingadas por berimbaus e atabaque, fui me assentando no corpo em que habito, fui descamando o ego, aprendendo a filosofar o viver e a firmar os sentidos de fora pra dentro. Pouco tempo depois, mergulhei no Yoga não apenas com os braços fortes das negativas e quedas de rim da Capoeira, mas com trilhas internas já abertas à travessia de liberdade interior que o Yoga propõe.


Dentre tantos yogas desdobrados no fio do tempo, sigo praticando, estudando e compartilhando com os pés no chão onde piso: Abya Yala, América Latina, Brasil, Cerrado, mundo globalizado. A Capoeira, assim como outras manifestações da cultura popular dos brasis, me ensinou sobre a complexa história do povo brasileiro e segue me alfabetizando social e culturalmente. E é com essa bagagem que meu corpo-mente-alma mestiçado vivencia sua sadhana (prática) no Yoga. Por agora, ando assuntando também sobre a história dos yogas e da Índia, compreendendo cada vez mais que os buracos sempre são “muito mais em baixo” e vendo as diversas similaridades entre Capoeira e Yoga, entre Brasil e Índia, dois gigantes territórios multiculturais colonizados e assaltados… até hoje.

Na Capoeira, me firmei na Angola, no Yoga, me firmei no Hatha através do método Iyengar Yoga, onde presença, espírito e firmeza em cada ação nos ensinam muito mais que fantasias esotéricas confundidas com misticismo. Salve todes que abriram estradas. Dos n’golos em Angola a Mestre Pastinha. Dos antigos mestres védicos a Patanjali, dos tantras e ascetas contraculturais aos hatha yogis modernos como o guruji Iyengar. Dos mestres que hoje sabemos o nome aos filósofos anônimos. Das yoguinis e capoeiras invisibilizadas àquelas que lutaram praticando pra que hoje possamos cantar. Salve mestras Lalleshwari, Geeta, Bri Maya, Janja, Elma, Samme, Gegê… Um bucado de nome, um bucado de trilhas. Em todas elas, o que vale é sempre o caminho, a vivência, a escuta, a alma em ação e o pé no chão integrando matéria (prakriti), espírito (purusha) e todas as nossas contradições.

Iê, viva meu Deus, camará!

— Texto nascido de reflexões sobre 2022,
ano em que começo a dar aulas de Iyengar Yoga e
comemoro 10 anos de aprendizados na capoeiragem.

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